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A aquisição de habilidades cirúrgicas robóticas não requer treinamento em videocirurgia. Será???

A aquisição de habilidades cirúrgicas robóticas não requer treinamento em videocirurgia. Será???

Poucos sabem que a ferramenta robótica está disponível e vem sendo utilizada em diferentes especialidades cirúrgicas há mais de duas décadas. O boom da robótica, muito estimulado pela prostatectomia radical, projeta um novo padrão cirúrgico, minimamente invasivo, mas ainda realizado no ambiente da videocirurgia. Mesmo sendo no presente momento uma tecnologia mais baseada em hardware do que em software, a cirurgia robótica oferece vantagens em relação a videocirurgia ?convencional?. Imagem em três dimensões, câmera estável e controlada pelo cirurgião, pinças articuladas, movimentos precisos e controlados, realmente permitem a realização de movimentos e procedimentos cirúrgicos complexos com mais simplicidade, efetividade e segurança do que a videocirurgia.

Outra vantagem elencada da cirurgia robótica seria a facilidade da transição da cirurgia aberta diretamente para a robótica, sem passagem (ou com mínima passagem) pela videocirurgia. Alguns estudos têm demonstrado esta possibilidade, em especial para cirurgia colorretal e prostatectomia. A tecnologia robótica auxilia a ação do cirurgião, ao contrário da videocirurgia que tende a dificultar e limitar os movimentos cirúrgicos, necessitando um treinamento baseado em simulação relativamente longo. Quanto mais a cirurgia robótica conquista seu espaço e mais cirurgiões a utilizam, a formação e treinamento em cirurgia robótica vem a discussão.

Neste sentido, grupo de pesquisadores comandados por um dos principais colaboradores do Instituto SIMUTEC, Professor Dr. Leandro Totti Cavazzola da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Hospital de Clínicas e Hospital Moinhos de Vento, publicou artigo em importante revista americana (Ribeiro RVP, Maximiliano J, Barreiro G, de Souza Gastal OH, Machado PS, Marcelino LP, Bosi HR, Zanin EM, Cavazzola LT. Acquisition of robotic surgical skills does not require laparoscopic training: a randomized controlled trial. Surg Endosc. 2022 Jun 8).

  Os autores questionam como hipótese do trabalho se existe a necessidade

Do domínio da videocirurgia antes de iniciar o treinamento específico em cirurgia robótica. Assim, os autores compararam o desenvolvimento de habilidades básicas de cirurgia robótica entre indivíduos randomizados para treinar habilidades convencionais, videocirurgicas ou robóticas. Foi realizado um ensaio clínico randomizado, unicêntrico e cego. Estudantes de Medicina foram aleatoriamente designados para 20 horas de treinamento cirúrgico convencional, videocirurgico ou robótico. Foram excluídos os alunos com experiência cirúrgica prévia. Os participantes foram avaliados pré e pós-treinamento no simulador cirúrgico robótico dV-Trainer® da Intuitive Medical®. Sessenta e seis alunos foram aleatoriamente designados para cada grupo de treinamento. Oito indivíduos não completaram o estudo. Todos os grupos demonstraram melhora estatisticamente significativa na pontuação composta e em cada tarefa após o período de treinamento. Nenhuma diferença foi vista entre os grupos convencional e videocirúrgico no escore composto ou nas tarefas individuais. O grupo robótico mostrou maior evolução técnica no número de erros, economia de movimento, utilização do espaço de trabalho e tempo para conclusão em comparação aos outros grupos. O grupo videocirúrgico mostrou habilidades de manipulação de câmera aprimoradas em comparação com o grupo convencional. O grupo convencional apresentou menos erros e maior economia de movimento em relação ao grupo videocirúrgico.

Os autores concluíram que não houve diferença na aquisição de habilidades cirúrgicas robóticas básicas entre indivíduos treinados em habilidades cirúrgicas convencionais ou videocirúrgicas. Por isso a ilação que o domínio dos cirurgiões em videocirurgia não seria necessário para a realização do treinamento em cirurgia robótica.  

Uma explicação possível para estes achados é que na cirurgia robótica os movimentos são mais naturais devido ao maior grau de liberdade dos instrumentos robóticos. Isso permite a replicação dos movimentos cirúrgicos abertos convencionais, o que não é possível com a videocirurgia.

O estudo, no entanto, apresenta significativas limitações. Os autores optaram por exercícios de baixa complexidade para avaliar os resultados, o que pode ter limitado a avaliação das diferenças de aquisição de habilidades robóticas entre grupos. Em segundo lugar, os participantes eram voluntários interessados no tema, um viés de amostragem de conveniência. Independentemente disso, isso se aplica a cenários da vida real, pois esta seria a amostra de médicos provavelmente interessada em seguir uma especialidade cirúrgica no futuro. Por fim, é importante ressaltar que existe uma necessidade de cirurgiões robóticos sejam proficientes tanto em cirurgia aberta quanto videocirúrgica, pois há um risco inerente da necessidade de conversão. O sistema robótico ou seus instrumentos podem falhar, e a configuração ou anatomia do paciente pode impedir a continuação segura da cirurgia de forma robótica. Embora isso se torne cada vez menos frequente com o aumento da experiência e avanços na tecnologia, o cirurgião deve ser capaz de realizar uma transição segura de uma plataforma robótica para uma videocirurgia ou para um ou procedimento aberto.

Outra questão importante é que cirurgias robóticas são realizadas em ambiente videocirúrgico, em cavidade fechada, de forma minimamente invasiva. Como realizar o procedimento se o cirurgião não domina este ambiente tão diverso do ambiente da cirurgia aberta? Como converter ou realizar partes da cirurgia usando a videocirurgia sem um treinamento adequado na técnica e sem aquisição dos fundamentos básicos da videocirurgia, que hoje podem ser considerados fundamentos básicos da cirurgia. E os demais procedimentos cirúrgicos como colecistectomias, apendicectomias em que a plataforma robótica, no presente momento, não parece acrescentar vantagens e sim apenas custos maiores?

Maestria de habilidades e procedimentos cirúrgicos convencionais e conhecimento dos princípios básicos da videocirurgia permanecem aplicáveis à cirurgia robótica. Embora a aquisição e implementação do sistema cirúrgico robótico continua a se expandir, o acesso ao treinamento da cirurgia aberta e da videocirurgia, seja para residentes treinados ou cirurgiões, é relevante e eficaz.

 

Referência

Ribeiro RVP, Maximiliano J, Barreiro G, de Souza Gastal OH, Machado PS, Marcelino LP, Bosi HR, Zanin EM, Cavazzola LT. Acquisition of robotic surgical skills does not require laparoscopic training: a randomized controlled trial. Surg Endosc. 2022 Jun 8.