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Certificação em videolaparoscopia é tão necessária como para cirurgia robótica por Prof. Dr. Miguel Nácul

Certificação em videolaparoscopia é tão necessária como para cirurgia robótica por Prof. Dr. Miguel Nácul

A aplicação cada vez maior de avanços tecnológicos na medicina tem gerado, de forma crescente, preocupações em pacientes, cirurgiões e hospitais sobre como introduzi-los e utilizá-los de forma segura e eficaz na prática clínica. Existe carência de estratégias baseadas em evidências para a aquisição de novas habilidades cirúrgicas para novas tecnologias. Hospitais necessitam de orientações práticas objetivas sobre como autorizar os médicos a usarem novos procedimentos tecnologicamente dependentes para o atendimento aos pacientes.  Realidade atual evidente e direcionada, em especial, ao avanço da cirurgia robótica, este fenômeno se expressou de forma muito mais complexa no final dos anos 1980 quando do advento da videocirurgia, uma extraordinária revolução na cirurgia.

A videocirurgia legou ao cirurgião um ambiente de atuação totalmente diferente do ambiente da cirurgia aberta. Espaço restrito, cavidade fechada, pneumoperitônio, instrumentais longos e fixados na parede, bidimensionalidade são peculiaridades do método que necessitam uma adaptação por parte dos cirurgiões. Acostumados ao treinamento "halstediano", modelo tradicional histórico de treinamento centrado na ação tutorial do preceptor sobre o aluno em pacientes reais, cirurgiões demoraram a entender que para a realização de procedimentos videocirúrgicos um treinamento prévio era fundamental.  Nesta época, a simulação cirúrgica jazia esquecida na formação cirúrgica. Os modelos de treinamento propostos para a videocirurgia eram pouco disponíveis, tecnológica e pedagogicamente atrasados.  Por isso, o início da videocirurgia (videolaparoscopia, em especial) no Brasil e no mundo foi cheio de percalços e dúvidas, receios e resistências, principalmente pela lacuna educacional dos cirurgiões no novo método. Com o passar dos anos, a evolução tecnológica trouxe sistemas de vídeos e instrumentais muito melhores à sala cirúrgica. Além disso, a aplicação de novas metodologias de ensino da videocirurgia, baseadas em simulação, ofereceu uma evolução espetacular da técnica, possibilitando a realização de procedimentos altamente complexos com efetividade e segurança. Hoje é inaceitável que um cirurgião realize procedimentos videocirúrgicos sem ter passado por um treinamento com simulação.

E aí chegamos à era da cirurgia robótica....

O estágio atual da cirurgia robótica já mostrou importante impacto sobre o campo cirúrgico, sendo parte de evolução natural e lógica da cirurgia minimamente invasiva, superando muitas das limitações intrínsecas da videocirurgia. Alta definição, visão estereoscópica tridimensional e ampliada, câmera estável e guiada pelo cirurgião, ergonomia aprimorada, amplitude superior de movimento e de escala, além da diminuição da fadiga ou tensão nas articulações são vantagens notáveis para o cirurgião. A cirurgia robótica será tão mais segura quanto maior e mais adequado for o treinamento do cirurgião. É consenso que hospitais devem garantir que ela seja utilizada por médicos que comprovem formação e treinamento nos procedimentos para os quais estão aptos a realizarem. O melhor meio de garantir evolução técnica à cirurgia robótica e permitir sua difusão pelo país com segurança aos pacientes é determinar regras de atuação dos médicos neste segmento. Baseada em um comunicado da Associação Médica Brasileira (AMB) de dezembro de 2019 que gerou uma sugestão de normatização pela Comissão de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (embasada por várias sociedades de especialidades cirúrgicas), o Conselho Federal de Medicina lavrou resolução que regulamenta a Cirurgia Robótica no Brasil em março de 2022.

A certificação em cirurgia robótica estabeleceu um caminho para o treinamento avaliado e concessão de privilégios para o exercício seguro e efetivo em procedimentos robóticos. O processo uniu esforços e interesses da indústria, hospitais, médicos e sociedades em prol dos pacientes que hoje podem ter certeza de que serão submetidos a procedimentos cirúrgicos robóticos por cirurgiões devidamente qualificados e certificados, tutorados quando necessário, por equipes completa e estrutura hospitalar muito bem estruturados. Para isto, as sociedades também contribuíram criando critérios para a certificação de centros de treinamento, informando os cirurgiões não somente como fazer o seu treinamento e certificação, mas também onde fazê-lo com qualidade. Papel preponderante neste processo teve o Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC), representado pela sua Comissão de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica, da qual, orgulhosamente, faço parte

A certificação em cirurgia robótica resgata uma necessidade por anos defendida por sociedades cirúrgicas, pioneiramente pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica (SOBRACIL), no que se refere ao treinamento e certificação em videolaparoscopia.  Nos Estados Unidos, nenhum médico residente atua sobre pacientes sem ter passado por um treinamento em videocirurgia baseado em simulação que também acopla um processo de certificação inicial - Fundamentals of Laparoscopic Surgery (FLS), modelo também utilizado pela European Association for Endoscopic Surgery (EAES). A formação e certificação em videolaparoscopia deve também receber uma atenção especial por parte de todos, cirurgiões, hospitais, indústria, sociedades e pacientes. Apesar de existirem provas de título de área de atuação em videolaparoscopia para algumas especialidades cirúrgicas, grande parte dos médicos residentes em cirurgia não as realiza. Pior que isto, continuam a aprender a videolaparoscopia no paciente, sem ou com pouca simulação cirúrgica. Não existem barreiras para a realização de procedimentos videolaparoscópicos como existem para o uso do robô.

Basta ser especialista em cirurgia. E isto é um fator negativo para a segurança dos pacientes. Devemos lembrar também que a cirurgia robótica é uma videocirurgia realizada com ferramentas um pouco diferentes. Portanto, é condição fundamental para o cirurgião que queira realizar procedimentos robóticos um robusto conhecimento e treinamento em videocirurgia.

A formação do cirurgião tem se modificado de forma significativa nas últimas décadas. O aumento no número de escolas médicas, a criação de novas especialidades cirúrgicas, a adoção de novas tecnologias, assim como o surgimento da videocirurgia induziram a óbvia necessidade de treinamento especial nesta área.  O treinamento do cirurgião necessita de uma base de desenvolvimento adquirida pela simulação cirúrgica precedendo ou em paralelo ao seu treinamento em campo cirúrgico junto ao paciente.  A certificação em cirurgia robótica no Brasil é um sucesso, permitindo que os cirurgiões incorporem a ferramenta robótica de forma eficiente na prática clínica, garantindo simultaneamente segurança e qualidade. Persiste como desafio o treinamento e certificação em videolaparoscopia. O conceito estabelecido pela certificação robótica deve ser incorporado a videolaparoscopia através de uma preocupação maior das entidades médicas em buscar uma certificação em videolaparoscopia mais robusta. Os pacientes agradecem!