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Como diminuir a curva de aprendizado em hernioplastia inguinal minimamente invasiva - Uma revisão sistemática

Como diminuir a curva de aprendizado em hernioplastia inguinal minimamente invasiva - Uma revisão sistemática

"Quem vai arcar com a curva de aprendizado do procedimento cirúrgico? O paciente?"

O reparo da hérnia inguinal é um dos procedimentos cirúrgicos mais comuns, com cerca de 20 milhões de casos realizados anualmente em todo o mundo. Desde a introdução da videocirurgia como técnica representativa dos princípios da mínima invasão cirúrgica, a hernioplastia inguinal por videolaparoscopia tem se tornado o padrão ouro para o tratamento das hérnias da região ínguino-crural. Amplamente aceita como uma opção terapêutica segura e eficaz, a técnica apresenta bons resultados, em especial, referentes à qualidade de vida pós-operatória dos pacientes. No entanto, a sua disseminação segue lenta em uma comunidade cirúrgica composta por cirurgiões acostumados a realizar herniorrafias abertas por acesso anterior. Isso provavelmente se deve à íngreme curva de aprendizado percebida, com base na natureza tecnicamente exigente da hernioplastia inguinal videolaparoscópica combinada com uma visão desconhecida da anatomia pré-peritoneal. Além disso, a implementação deste tipo de reparo em programas de educação cirúrgica tem sido limitada, conforme evidenciado pelas taxas abaixo do ideal de médicos residentes que realizam esse procedimento durante o seu período de formação. O reparo videolaparoscópico requer competência técnica em dissecção pré-peritoneal, manipulação do saco herniário com as duas mãos, bem como colocação de uma tela relativamente grande em um campo de trabalho estreito, evitando nervos e vasos, alguns de grande calibre. Por isso, muitos cirurgiões classificam a hernioplastia inguinal videolaparoscópica como um procedimento avançado.

Conceitualmente, curva de aprendizado em cirurgia se refere ao número de procedimentos necessários para adquirir conhecimento adequado e tornar-se proficiente na realização da cirurgia, representado pela estabilização dos tempos operatórios e no estabelecimento de resultados aceitáveis para o paciente. Diretrizes, como por exemplo, da European Hernia Society, sugerem que a curva de aprendizado para reparos videolaparoscópicos de hérnia inguinal está entre 50 e 100 procedimentos. Uma compreensão dessa curva de aprendizado pode permitir um melhor planejamento e implementação de programas de ensino para esse procedimento.

  Autores australianos publicaram recentemente revisão sistemática avaliando as evidências atuais relacionadas à curva de aprendizado da hernioplastia inguinal por videolaparoscopia (Sivakumar J, Chen Q, Hii MW, Cullinan M, Choi J, Steven M, Crosthwaite G. Learning curve of laparoscopic inguinal hérnia repair: systematic review, meta-analysis, and meta-regression. Surg Endosc. 2022 Nov 23). O objetivo principal do estudo foi identificar o número de casos necessários para atingir a competência técnica. O objetivo secundário foi comparar os resultados entre aqueles cirurgiões que estão em fase de aprendizado (residentes) e aqueles mais experientes na realização do procedimento. Os autores analisaram 22 estudos publicados em bases de dados científicas. O número previsto de casos para atingir proficiência cirúrgica em 2020 foi de 32,5. A meta-análise dos dados coletados concluiu que os cirurgiões em fase de aprendizado podem apresentar uma taxa maior de conversões para cirurgia aberta (Odds Ratio 4,43), complicações pós-operatórias (OR 1,61) e recorrências (OR 1,32).

O limiar da curva de aprendizado das abordagens videolaparoscópicas para hérnia inguinal não é muito diferente do das técnicas abertas e robóticas para esta condição, que são relatadas em estudos anteriores como entre 37-42 e 35-43 casos, respectivamente. Isso destaca a capacidade dos cirurgiões de se adaptarem rapidamente aos desafios da anatomia pré-peritoneal "desconhecida" e aos requisitos de habilidades técnicas associados a cirurgias complexas. Esse conceito também é observado nas curvas de aprendizado de procedimentos altamente especializados, como ressecções esofagogástricas, hepáticas e colorretais minimamente invasivas.

Com base no estudo, observou-se também que o número de casos necessários para atingir a proficiência diminuiu gradualmente nos últimos 15 anos, o que possivelmente se deve à consolidação de melhores táticas e tecnologias de treinamento, exposição precoce da cirurgia minimamente invasiva à médicos residentes, melhorias na qualidade do instrumental e equipamento para videocirurgias, bem como um aumento geral no volume de casos executados por videolaparoscopia pelos residentes.

A associação entre cirurgiões na curva de aprendizado e conversões para cirurgia aberta é provavelmente reflexo de problemas com a identificação precisa da anatomia inguinal. Isso, em combinação com a dissecção insuficiente ou mesmo excessiva do orifício miopectíneo de Fruchaud no pré-peritônio, bem como o mal posicionamento da tela, pode explicar o risco marginalmente aumentado de complicações pós-operatórias e recorrência entre os cirurgiões iniciantes. Mesmo assim, nesta análise ficou demonstrado que a curva de aprendizado não comprometeu a segurança e eficiência do treinamento cirúrgico, nem o resultado dos pacientes. Todavia, é possível que o período inicial dessa curva de aprendizado envolveu a seleção de pacientes de acordo com um critério estrito, evitando aqueles com idade avançada, maior índice de massa corporal e presença de hérnias ínguino-escrotais ou bilaterais. Uma seleção apropriada de pacientes previne o enfrentamento de casos mais desafiadores, podendo minimizar os efeitos negativos da curva de aprendizado.

A "prática" cirúrgica dos residentes tem sido cada vez mais limitada devido a restrições de horário de trabalho em muitos hospitais. Essa experiência é ainda mais diluída com a integração de diversas especialidades cirúrgicas, especialização cada vez maior do cirurgião, bem como o estabelecimento de inovações baseadas em tecnologia em cirurgia que exigem um conjunto de habilidades mais avançadas, como cirurgia robótica. Embora a hérnia inguinal por videolaparoscopia seja um procedimento importante a ser incorporado ao arsenal do cirurgião geral, dados do registro de casos de médicos residentes tem demonstrado que esse tipo de procedimento é realizado com pouca freqüência relativa. Durante o treinamento formal, o número médio de cirurgias videolaparoscópicas de hérnia inguinal realizadas por residentes na Austrália e nos Estados Unidos da América variou de 12 a 34, número insuficiente para atingir a competência técnica. No Brasil, com freqüência preocupante o residente não tem sequer a oportunidade de acompanhar este tipo de cirurgia durante o seu período de estágio.

O moderno paradigma educacional cirúrgico em nível de pós-graduação expresso pela Residência Médica fundamenta-se em uma combinação de treinamento baseado em competência suplementado com o acompanhamento de um significativo volume de casos. Embora isso muitas vezes envolva a definição de um número mínimo de procedimentos básicos a ser realizado durante a residência, nenhum programa internacional de treinamento cirúrgico determinou requisitos específicos para reparos videolaparoscópicos de hérnia inguinal. A identificação do volume de casos necessário para obter proficiência em cirurgia de hérnia inguinal minimamente invasiva facilita o desenvolvimento de programas estruturados de treinamento, garantindo que os serviços de residência sejam capazes de fornecer aos seus estagiários experiência em um número suficiente de cirurgias para serem aptos. A longa curva de aprendizado neste estudo destaca a necessidade de que a educação cirúrgica evolua em um momento de incorporação crescente de técnicas minimamente invasivas nas especialidades cirúrgicas. Desenvolver esse conjunto de habilidades é considerado desafiador devido à necessidade de conceituar a anatomia pré-peritoneal tridimensional através das lentes da imagem videolaparoscópica (bidimensional), enquanto disseca em um campo operatório limitado. A fim de otimizar as oportunidades clínicas e encurtar a curva de aprendizado, há uma importância crescente do treinamento baseado em simulação. As sessões de simulação permitem que os cirurgiões desenvolvam habilidades videolaparoscópicas em um ambiente seguro que pode ser integrado à prática cirúrgica diária. Os cirurgiões em treinamento que participam dessa forma de aprendizado relatam melhor adaptação pelas diferenças na percepção de profundidade e a alteração da sensação tátil da videolaparoscopia, além de incremento do desempenho expresso pela melhor destreza bimanual, manuseio de tecidos e habilidades psicomotoras. Dois ensaios clínicos randomizados com foco na hernioplastia inguinal por videolaparoscopia demonstraram que habilidades adquiridas com simulação são transferidas para a prática clínica, com redução dos tempos operatórios, taxas de complicações e tempo de internação pós-operatório.

Em conclusão, esta revisão sistemática demonstra que a curva de aprendizado para correção de hérnia inguinal por videolaparoscopia diminuiu ao longo do tempo, com pelo menos 30 casos atualmente necessários para alcançar a competência técnica. Os cirurgiões nesta curva de aprendizado podem demonstrar uma taxa mais alta de conversões para cirurgia aberta, complicações e recorrências pós-operatórias marginalmente mais altas do que aqueles que atingiram a proficiência. Os serviços de residência e os programas de treinamento cirúrgico devem considerar esses dados ao planejar a experiência cirúrgica de residentes e para garantir seu desenvolvimento seguro e eficiente durante a curva de aprendizado. O Instituto SIMUTEC oferece simulação em realidade virtual para hernioplastia inguinal vídeo-endoscópica - técnica transperitoneal, além de curso de extensão em hernioplastia minimamente invasivas da parede abdominal em parceria coma UNICETREX.

Referência

  1. Sivakumar J, Chen Q, Hii MW, Cullinan M, Choi J, Steven M, Crosthwaite G. Learning curve of laparoscopic inguinal hernia repair: systematic review, meta-analysis, and meta-regression. SurgEndosc. 2022 Nov 23.